Fabrício, o endocrinologista, me viu na recepção do consultório e pareceu sorrir (estávamos de máscara, obviamente): “Você merece um abraço”, disse ele. Me deixei abraçar porque entendi o recado. A última vez que nos vimos, no comecinho de fevereiro, eu exibia no corpo as marcas da Covid-19. Três meses depois, a história se desenha outra.
Nos últimos noventa dias, as sessões de fisioterapia foram quase diárias e a ideia de caminhar pelas ruas do bairro beirava a mais lisérgica utopia. Presente do Arnaldo, uma cadeira de plástico me aguardava toda manhã para o banho. O oxímetro já se tornara uma extensão de meus dedos. Aos poucos, muito lentamente, esses objetos foram sendo postos de lado e as fronteiras do mundo começaram a se alargar. Subir a pé até a Paulista já não era delírio.
O primeiro apetrecho a sair da lista foi o cateter de oxigênio. A título experimental e por orientação médica, tentei dormir algumas horas sem ele. Dormi uma noite inteira, feito um anjo. Veio a segunda noite. E outra. Antes que o concentrador de ar tivesse o mesmo destino das bicicletas ergométricas que acabam virando cabide, devolvi tudo para o home care. Faltou uma cerimônia de adeus.
Nesta altura, a cadeira perto do chuveiro foi se tornando obsoleta. Começava a experiência do banho. Nas primeiras duas ou três vezes, as pernas fraquejaram, ameaçando não dar conta de sustentar o corpo sob a água quente. As mãos tentavam se entender com o chuveirinho, o xampu e o sabonete. Mas correu tudo bem. O primeiro banho sob uma ducha de verdade é uma volta olímpica ao redor de você mesmo. Olímpica e vitoriosa.
Talvez o mais difícil nesses meses tenha sido colocar a paciência em prática. Não se pode ter pressa durante a recuperação de doença alguma, mas a Covid tem mania de gincana: sempre aparece um novo desafio pra encarar. O fôlego está ótimo, mas do nada uma rateada faz você lembrar dos estragos que o vírus deixou no seu corpo.
Não dá pra ser otimista em tempo integral, nem tem cabimento. Nas conversas, paira o medo dos efeitos colaterais inesperados – e que só dão as caras quando está todo mundo de bem com a vida. Músculos ainda entorpecidos, batimentos cardíacos sob vigilância, pulmões meia-boca e a memória, bom, que é que tem mesmo a memória?
Tudo é motivo de susto. Você acorda de madrugada com a respiração curta e uma sensação estranha na boca: a Covid voltou! Calma. Espera. Vai no banheiro, toma uma água. Viu? Era a umidade do ar baixíssima em São Paulo. Volta a dormir, criatura.
Até agora, o balanço do primeiro trimestre é positivo. Recebi autorização para trabalhar. Posso também voltar às atividades físicas regulares na academia – “Recomeçando totalmente do zero”, alerta o pneumologista. É ele, o bom Ricardo, quem vai me lembrar ao longo do próximo semestre que a luta não acabou. Tenho exames periódicos a fazer e apresentar. Antes de dezembro, não posso me considerar de alta. Mas estando na lista dos vivos já me sinto no lucro.