Lunar, gregoriano, juliano, asteca, são muitos e bastante variados os calendários usados no mundo. Mas o mais fácil de entender e seguir é o dos restaurantes populares. Sexta-feira, por exemplo, é dia de filé de peixe com molho de camarão. Quinta é dia de massas. Terça-feira, ah, a terça é um dos meus preferidos: dia de bife a rolê – ou será à rolê, com a crase imperando? Segundo o Dicionário Houaiss, é bife rolê, sem o “a” separando as palavras.
Marcar os dias da semana pelos menus foi uma espécie de rito de passagem entre a infância familiar e a adolescência já enfurnada no mercado de trabalho. Assim que aprendi a pedir virado à paulista somente às segundas-feiras, me senti integrante de um clube de gente grande. O copão de Fanta uva entregava a pouca idade.
Você poderia me perguntar onde começou essa datação e por quais motivos. Poderia, mas ficaria sem resposta, pois eu não faço ideia. Talvez o Arnaldo Lorençato um dia nos explique em um livro, mas por enquanto só posso oferecer mesmo a experiência prática de marcar o tempo pelo cardápio do restaurante mais próximo.
A única teoria que consigo vagamente formular é que isso facilita a vida do cozinheiro. Ele já enrola os quilos de bife na segunda à noite e deixa paneladas de molho à bolonhesa de prontidão na noite de quarta – e o cliente que faça o pedido no dia seguinte. É uma maneira de evitar perda de tempo pra quem tem uma hora de almoço. O prato já estará pronto à espera do freguês, que não se meterá a pedir algo complicado de produzir em pouco tempo. “Ajude-nos a te ajudar” é o lema. Agora, como foi o sorteio do prato para cada dia… isso permanece um mistério.
Feijoada era mais fácil de decorar. Afinal, sempre foram dois dias dedicados ao prato – quartas e sábados. Não se trata de uma regra nacional. No Rio, os restaurantes servem uma boa feijuca também às sextas-feiras. Suculenta, como determina a gramática culinária. Vamos combinar que estranho mesmo é servir um prato tão pesado no meio da semana. No sábado, a gente espera ter mais tempo pra jiboiar depois do almoço.
Foi numa quinta-feira, claro, que eu e meus colegas menores aprendizes do Banco do Brasil ficamos pasmados diante do restaurante da firma, tentando entender o prato servido naquele dia. “Que diabo é guinóchi?”, perguntavam-se aqueles adolescentes espinhudos e cheios de vergonha. Um mais ousado foi ver e voltou espantado: “Parece nhoque”. Era – mas nenhum de nós tinha visto o cardápio em italiano.
O restaurante da firma inspirava muitas piadas. O molho de camarão que acompanhava o peixe toda sexta-feira era tudo, menos farto em crustáceos. “Quem encontrar o camarão, não paga o almoço”, brincávamos. Justiça seja feita, sempre havia um exemplar camarônico em cada prato. Às vezes, dois.
Além de servir de baliza para os dias da semana, o calendário dos restaurantes estimulava também a rebelião cotidiana. Por que não pedir um peixe na terça-feira? Quem nesta terra me obrigaria a comer lasanha toda quinta? Desobedecer regras gastronômicas tem importância em nossas vidas, mesmo que isso nos deixe desconfiados.
Na primeira Sexta-feira Santa em que este intrépido repórter se viu de plantão, surgiu a oportunidade de dar o grito da independência e mandar às favas a regra familiar de não comer carne vermelha no dia mais sagrado para o Cristianismo. Da ideia ao gesto, almocei um Big Mac no McDonalds. Quem me visse, ia pensar que eu estava adorando. Tudo pose.
Por dentro, eu morria de medo de que me surgissem marcas de possessão demoníaca no corpo, como chifrinhos, rabos e patas de bode. Não apareceu nada, a vida continuou a de sempre. Mas eu raramente voltei a comer carne na Sexta da Paixão. Não por temer o castigo, mas por quase nunca encontrar quem me acompanhe. E por que, no calendário dos restaurantes, Sexta-feira Santa é dia de bacalhau.