Efeméride particular

Opiniões políticas à parte, quem não se lembra onde estava no dia 11 de setembro de 2001? Tudo bem, teve o caso do sujeito que trabalhava no World Trade Center, em Nova York. Na hora do atentado, ele se refestelava entre os lençóis da amante. Ao ver na TV o noticiário do atentado, a mulher do cara ligou pro celular dele, que atendeu tranquilão. “Estou na firma, mozão”, disse o desinformado. Naquele dia, caíram duas torres e a casa dele.

Eu voltava da academia e estranhei tanta gente assistindo TV nos botecos. Mas não parei pra saber o que era. Quando cheguei em casa, Wanderley me telefonou: “Já viu a TV? Liga!” Liguei: que filme é esse? “Não é filme.” Pouco depois, como se esperassem por minha audiência, as torres ruíram. Perplexo e egoísta, eu pensava: “Perdi o emprego”.

Na época, eu estava licenciado do cargo de editor de turismo do Estadão. Tinha me afastado pra escrever junto com Hugo Possolo a adaptação de Pantagruel pro teatro, que seria montada pelo grupo Parlapatões. Acabei a primeira das sete versões da peça no dia 10 de setembro e deveria retornar à redação dali uns meses. Entre os escombros das torres gêmeas tive certeza que encontraria todos os editores de turismo do mundo. Quem teria coragem de pegar um avião nas férias dali em diante?

Em pouco tempo, o mundo retomou a rotina, inclusive a de pousos e decolagens. Só o meu emprego é que foi pro beleléu. No dia do meu regresso ao trabalho, em janeiro, fui informado que tinha entrado na lista de cortes – a crise, desta vez, era culpa do Bin Laden. Devo ter sido o demitido mais feliz na história centenária do vetusto matutino: meu objetivo era mesmo me dedicar a escrever para  teatro e, quem sabe, TV. Só faltava coragem. O pontapé patronal serviu de trampolim.

Onze de setembro voltaria à minha agenda em 2006, quando os Parlapatões inauguraram seu próprio espaço na Praça Roosevelt. Foi uma daquelas noites que só o teatro produz. Integrado ao grupo, vivi a emoção de abrir um teatro. Lá pelas tantas, depois de um desfile de boas vindas do vizinho Satyros, a trupe do Teatro Oficina irrompeu na praça, com gente bonita e nua na caçamba de um caminhão, entoando cânticos a Dionísio. Na festa da inauguração, um arrepio particular: o diretor do Oficina, o lendário José Celso Martinez Correa, leu um texto que eu escrevera pro Pantagruel. Um texto lindo, sem a menor modéstia.

A data voltaria ao meu caderninho de maneira mais grandiosa e muito mais pessoal. Em 11 de setembro de 2018, nasceu minha primeira sobrinha-neta, a sapequíssima Laura. Ser tio já era uma experiência deliciosa, mas esticar o DNA em mais uma geração é bastante divertido. É uma espécie de truque que você dá no tempo.

Com a maluquice da pandemia e as rotinas insanas, acabo por ter pouco contato com a guria. Lembro dela no colo do meu irmão, o avô babão. Já cego, ele segurava a bebê e imaginava como seria seu rosto. “Ela é linda, tenho certeza.” Ele estava certo: numa análise totalmente científica e objetiva, a pequena virginiana Laura é uma lindeza.

Autor:

Dramaturgo, autor-roteirista de novelas, cronista, jornalista. Paulistano.

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