Eu devia ter uns 6 anos e lembro de estar caminhando sozinho pela rua de terra. Pensei alguma coisa sobre o entorno e parei, espantado comigo mesmo: “Eu tô pensando!”. Até aquele instante – tenho comigo que era um domingo – nunca tinha me dado conta de que pensar era tão automático. Feito a Emília do Monteiro Lobato, passei o resto do dia tendo pensamentos variados. Mas, diferente da boneca de pano, não saí falando feito papagaio. Embora novo no ramo, eu já intuía que pensamento é coisa íntima.
É curioso descobrir que se pensa por conta própria. Memória, eu já tinha: uma visita ao Instituto Butantan, no colo do meu pai; a chegada inesperada de um parente, no meio da madrugada; os gibis, na casa da minha prima… Mas lembrança é lembrança, pensamento é outra categoria.
Desde então, nunca parei de pensar. Às vezes, até demais. A gente se habitua. Dorme e acorda pensando. Encontra uma pessoa na rua e pensa: de onde mesmo eu conheço essa figura? Numa festa, é sequestrado por uma figura que resolve desabafar as mágoas na sua orelha. A expressão paciente esconde um raciocínio terrível: não tem ninguém nessa festa pra me salvar do suplício? Nunca tem.
Rola também aquela cena de encontrar uma pessoa muito, mas muito atraente, e puxar conversa educada, enquanto seu capetinha interior estimula os pensamentos mais sapecas. Não é hipocrisia. É apenas a prova que, por mais independente que o pensamento seja, ele pode ser domesticado. Essa coisa de botar pra fora tudo o que se pensa é coisa de gente sem freio.
Na lida com os raciocínios íntimos, sempre me chamou a atenção quem vê alguém em paz consigo mesmo e vem logo com a proposta: um doce pelo seu pensamento. É uma frase bastante comum em casais de namorados, acho (na infância, o mais comum era a popular “De pensar, morreu um burro”). No fim das contas, barganhar doce por ideia é assustador. Quem quer controlar o pensamento do outro morre de medo da liberdade que isso provoca.
Pensamento é uma sequência de frases e ideias separadas por vírgulas. Não há ponto no fluxo de pensamento. Uma coisa puxa a outra, que puxa a outra, que… é um caleidoscópio. No começo do século 20, a literatura buscou se aproximar dessa técnica. James Joyce, Virginia Woolf e outros autores levaram o fluxo de pensamento a níveis sublimes. Clarice Lispector, José Saramago e Valter Hugo Mãe também fizeram do pensar uma literatura finíssima.
Atualmente, o pensamento está novamente cercado por uma aparente falta de limites. Só aparente. Quando você abre o Facebook, a primeira mensagem que aparece é “O que você está pensando, Fulano?”. Meu impulso é responder “Não é da sua conta, Zuckerberg”. Pelo que tenho lido, a maioria das pessoas é mais educada e realmente escreve o que está pensando naquele momento. Raras vezes isso mostra o melhor de cada um.
As redes sociais nos estimulam a colocar o pensamento numa vitrine mal decorada. Muitas vezes, o cenário tem uma luz clara, que não disfarça imperfeições. O pensamento é um bebê que cresce sem aprender a andar. Sacode-se e faz barulho, mais nada.
Pensamos demais e sobre tudo. Pensamos muito e refletimos pouco. Pensamos sem parar e não atentamos para os pensamentos dos outros. Pense nisso.