O verão do vírus

Nem parece, mas o primeiro mês de 2021 acaba hoje. Para quem sonhava com revolução astral, foi decepcionante. Tudo bem que o ano tem ainda onze meses pela frente, mas a amostra dos primeiros 30 dias foi vexatória.

O pior não foi a continuação das más notícias, mas o surgimento das semiboas. O Brasil está se tornando especialista em chegar quase lá. É a pátria-mãe do “faltou isso aqui, ó”.

Vejam o caso das vacinas contra a covid-19. Tem notícia melhor na história recente da humanidade? Não, não tem. Em vários cantos do mundo, cientistas se empenharam em descobrir rapidamente o imunizante que nos livraria do vírus do Corona. Russos, chineses, americanos, ingleses, as vacinas têm diversos passaportes.

Governado por uma seita negacionista radical, o Brasil assistiu de longe ao progresso da ciência. Foi de longe mesmo. Não sobrou sequer um cantinho no camarote pra que a gente pudesse aplaudir o sucesso alheio. Perdemos o bonde da história.

Só não ficamos totalmente fora do mundo, por que viramos um laboratório geral: era tanta gente doente por aqui, que até valia a pena aplicar os testes das vacinas, alguma coisa havia de render.

Enquanto isso, a nação-cobaia lamentava a falta de carnaval, o fim do São João, os estádios fechados e a ausência das festas de fim de ano. “Lamentava” é maneira de dizer. Rolou muita estrada engarrafada, praia cheia, pistas bombando e máscaras no queixo.

No paralelo, o governo também fez a sua parte. Esnobou a indústria farmacêutica e não se preocupou em reservar uma cota dos remédios salvadores. Sequer entrou a sério na disputa por mais doses de vacina na cota da OMS. Foi um desleixo consciente e criminoso.

No meio de janeiro, chegamos a comemorar a chegada da vacina. A festa durou bem pouco, algumas horas. O tempo suficiente para alguém dividir o número de habitantes pelo de doses de vacina e constatar que, sim, vai demorar. Pior, sobrevoa nossas cabeças a hipótese nada infundada de esse pesadelo não ter fim.

Se há risco de abastecimento vacinal até na Europa, que comprou doses suficientes pra todo mundo e mais um pouco, imaginem no exótico país onde acaba oxigênio para os doentes e o ministro da Saúde manda uma caixa de cloroquina.

A lógica ufanista é que somos uma nação de abençoados, que não precisa mendigar por remédio. Os laboratórios teriam orgulho em nos vender lotes e lotes de imunizante a preço de mãe viúva pra filho caçula. É a versão dark do verão da lata: se no final dos anos 80, muita gente se divertiu com a maconha que apareceu nas praias brasileiras, agora é a galera que delira com a bad trip do vírus, tratado com extrato de ivermectina.

Os eleitores que não quiseram entregar o governo do país ao sujeito que cuida – mal – da churrasqueira do condomínio estão apalermados. Os que acreditaram no tal tiozinho continuam inabaláveis em sua fé. E a turba que tomou conta de Brasília faz o que sabe: nada.

Os do governo atual acham que vacinação em massa é que nem marcar um churrasquinho depois do futebol. Deixam pra comprar a carne na manhã do dia marcado e descobrem o açougue fechado. O carvão, alguém esquece de trazer. A trilha sonora é uma desgraça. E a cerveja, ainda fora do isopor, é Itaipava.

Autor:

Dramaturgo, autor-roteirista de novelas, cronista, jornalista. Paulistano.

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